quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

A Tatuagem de Francisco


(Raquel Pereira)

A semana corria desenfreada, final do ano, aquela loucura, documentos, papeladas, trabalhos para corrigir, tudo acontecia como normalmente deveria ser no final do último bimestre letivo.
Saí de casa adiantada, tempo de sobra, chegaria cedo no trabalho...chegaria claro, não cheguei, verbo conjugado no tempo certo; foi ELA, ela que me fez perder-me no tempo:
-Ufa! Ai minha filha, vou sentar um pouco, não aguento minhas pernas. Disse ELA.
- Ah! é bom parar um pouco, está muito quente hoje. Respondi.
Ela foi me contando a desventura que é na idade dela não ter família, ter de se virar sozinha, resolver todas as coisas etc e etc.
Enquanto falava notei em seu braço uma tatuagem amparada por pequenos corações     FRANCISCO  , não contive minha curiosidade, é claro que perguntei.
Seu rosto abandonou todo cansaço, toda sua dor se transformou em uma bela felicidade passageira, devolvendo-lhe o sorriso.
- Ah! FRANCISCO, meu marido amava brincar, quando chegava do trabalho me falava pra deixar a louça na pia e aconchegar-me em seus braços. “Mais sorrisos”, agora era o olho que sorria, num brilho que a levava a outro lugar. Eu li aquela Senhora como um livro em uma tarde fresca de primavera, folha por folha, a cada palavra, a cada surpresa que FRANCISCO fazia e como ele tinha sido maravilhoso para ELA.
Quis perguntar quem era aquela mulher que me deixava participar tão intimamente das suas lembranças, mas não interrompi, ficou sendo um pacto nosso estabelecido assim, não importava quem era Ela ou Eu, o importante era ELE e o quanto toda aquela vida ao seu lado tinha sido boa.
Perdi dois ônibus, a verdade é que deixei que eles fossem não podia deixá-la ali. Depois que falou de toda felicidade, respirou, levantou e se despediu.
ELA agora tinha de contentar-se a lembrar dos bons momentos, foi o que restou. Ah! FRANSCISCO se soubesse o tamanho da saudade estampada no braço e no peito, não teria ido embora. Agora era só ELA, e viver só, não era vida pra ninguém.
Viver sozinha para ELA “ Era como ser o seu próprio time, tinha de driblar o adversário, cruzar para si mesma, fazer gol, defender-se”.[i]


[i][i]CARRASCOZA, Joao Anzanello - Aos 7 e aos 40.


sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Humana

Raquel Pereira

Eu me constituo, HUMANA!
Humana, nas relações que estabeleço, palavras e sorrisos.
Humana, na risada compartilhada, no abraço, na cumplicidade de um olhar emocionado.
Eu me constituo, HUMANA!
De toda - HUMANIDADE- frágil, errante.
Eu me constituo, HUMANA!
no toque, nas mãos entrelaçadas, na alma.
-HUMANA- Dócil, feroz,
Tantas, em tantos EUS, quanto possível.
Nos EUS, que se encontram nos SEUS, em VÓS, em NÓS.
Eu me constituo, HUMANA!
Fraca, forte, Feliz e infeliz,
Eu me constituo, HUMANA!
Nas Dores e sorrisos.
Eu me constituo, hoje- HUMANA- Como obra de fiador.
Quando, por fim estiver pronta, Posta!
Dar-me-ei completa, encerrada!
Hoje! ainda me constituo, com toda sorte de HUMANIDADE:
HUMANA!

domingo, 14 de agosto de 2016

Minha primeira bicicleta

 

(Raquel Pereira)

 

Era mês de Julho, a televisão não dava trégua, o comercial frenético disparava a todo o momento - PAI NÃO ESQUEÇA DA MINHA CALOI -.

Quem está na casa dos trinta sabe exatamente do que estou falando. Eu uma criança como outra qualquer louca pra ganhar à bendita, é bem verdade que estava louca para ter a minha primeira bicicleta. Tinha na época uns 5 anos, aproveitei então o mês do meu aniversário e fiz o bendito pedido - CALOI-.

            A pior loucura dele foi prometer, quem me conhece sabe que não sou criatura fácil, quando encasqueto com alguma coisa não há santo que resolva.

Chegou o grande dia - MEU ANIVERSÁRIO -, que por grande coincidência era dia dele também, fui até a porta ansiosa esperando que chegasse do trabalho, mal colocou o pé quintal adentro, corri em sua direção, ele abraçou-me, não lembro se retribuí o parabéns, a ansiedade tomava-me toda, então disparei aquela afobação que me consumira o dia todo- PAI CADÊ A MINHA BICICLETA?-.

Ele, tentando remediar a situação, com um sorriso muito sem graça, disse-me que tinha comprado, que estava na loja,  tinha saído tarde do trabalho e não conseguira trazer. Fiquei muito triste e voltei para sala.

A cena se repetiu inúmeras vezes, os dias foram passando, o mês já havia virado, todos os dias eu ia recebê-lo, a cada hora uma desculpa diferente.

Cansei das desculpas, uma noite quando chegou do trabalho, não fui à porta como de costume, ele me chamava ansiosamente – FILHA, NÃO VAI DAR UM ABRAÇO NO PAI?, NÃO VAI PERGUNTAR DA BICICLETA?- Respondi que não,  que sabia que não tinha trazido.

Minha mãe tentava me animar para ir até a porta, mas eu tinha desistido não acreditava mais no que papai dizia...

A muito custo, me levaram até ele, lá estava minha tão sonhada- BICICLETA-, a alegria tomou-me o peito.

Guardo esse pequeno momento com carinho,  lembrança linda, hoje consigo me colocar no lugar dele, imaginar a dor no seu coração a cada desculpa, a cada olhar triste que  fiz, dor que naquele momento ele não deixou transparecer.

AQUELA BICICLETA custou muito trabalho, custou um dinheiro que não sobrava, que não nos permitia luxos, mas que no coração de um PAI valeu todo sacrifício.

Não foi a Caloi, mas foi a que o teu coração conseguiu. O que dizer além de...EU ME LEMBRO PAI, OBRIGADA!

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O fim de um ciclo

                                                                                                                       
( Raquel Pereira)

Há tristezas que são amenizadas com o tempo.
O tempo segue e tem de seguir...
As feridas vão sendo curadas, sutilmente. ...

No começo desacertamos a vida tentando acertar,
fazemos uma bagunça imensa.
Mas até a bagunça faz parte do processo de cura.
Com o tempo sentimos as dores cada dia mais suportáveis.
O fardo vai sendo descarregado pelo caminho,
até que esteja tão leve que não seja mais útil.
Um dia acordamos e mesmo que tenha chuva lá fora,
percebemos que carregamos um fardo vazio, que já não faz sentimento algum.
Então desfazemos dele, desfazemos da tristeza,
E seguimos em frente...
Sem dor, sem fardo, sem tristeza.
Só com um tempo imenso e uma vida pela frente

domingo, 17 de janeiro de 2016

Nada




                                                                          Raquel Pereira


Não quero escrever hoje, talvez não queira escrever nunca mais.

Nada, nada do que possa ser dito com mão e tinta, absolutamente nada!

Nada reflete um décimo do que está na alma.

Mas, é quando não digo que elas aparecem como fantasmas e assombrações.

Recolho-me a uma mísera folha, mas nada, não há nada a dizer.

Ingrato qualquer verso que queira transfigurar o que as entranhas da alma têm a dizer.

Não há montanhas, funduras ou encostas que possam através das mãos explicar.

Escrevo e o tempo passa. Zero! zero o cronômetro da linha do tempo.

Nada, nada mais quero saber do tempo que ficou.

Que das pétalas arranco uma a uma, da flor deixo só o esqueleto, é dele que me vale o tempo, é dele que outras pétalas hão de aparecer.

Não lamento, pago com a fina pena da maldita caneta, assim zero o tempo.

Já não há devedores, já não há dever, nada! Não há nada que a alma tenha a dizer.